(Perfil cruzado publicado na edição da VISÃO de 19 de setembro de 2002)
As calças fizeram a diferença, mas não explicam o que aconteceu naquela noite. Era tarde, já passava das 2 horas, quando do número 200 da Rua 62 saiu um homem de calças brancas com enormes flores vermelhas. Logo atrás, ia um Beagle e, na ponta da trela, uma empregada de farda preta. A rua estava deserta e eles precisavam de fumar – a cadela aproveitava a boleia.
José Castelo Branco: De Tatiana Romanov aos reality shows
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Dali até à Madison, a avenida mais chique do Upper East Side de Manhattan, eram uns metros. O homem florido, a empregada fardada aparentemente só para passear o Beagle – a cena era teatral de mais até para as duas jovens nova-iorquinas que pararam em plena Madison. «Are you a star, Mr.?», abordaram. A resposta foi uma gargalhada e um nome dito com sotaque norte-americano: «I’m nobody, I’m just Jaozé dê Castélao Brancao.»
Ele não era «ninguém», era «apenas» José Castelo Branco e morava perto dali, perto da 3.ª Avenida. Ela era uma das suas empregadas e ganhava uns dólares extras por levar à rua a cadela do vizinho de patamar. A festa em casa durara até tarde, os convidados já tinham saído, só lá ficara a mulher de Jaozé, Betty Grafstein, estilista de jóias e dona da Grafstein Diamond Company, empresa importadora de diamantes. José convidou-as para uma taça de champanhe, e assim conheceu mais duas vizinhas.
No dia seguinte, Betty tomou o habitual brunch antes de seguir para o seu escritório, na 5.ª Avenida, entre as ruas 47 e 48, de onde só haveria de sair pelas 7 da tarde. José foi até à Madison e repetiu a graça do costume: «Darling», disse com voz de mimo ao polícia, «eu gostava de passar para o outro passeio…» Braço no ar, apito na boca, o agente lá parou o trânsito para o português atravessar a rua.
Ele é a extravagância…
«Eu paro o trânsito em Nova Iorque. É de mais!», acha graça José Castelo Branco, na realidade José Vieira no mesmo bilhete de identidade que o põe a fazer 45 anos neste 8 de Dezembro.
No BI só não está escrito que o seu casamento com Betty Grafstein, de origem inglesa, é o segundo. E que o primeiro, com Arlene Albergaria, assistente de Fialho Gouveia, no programa Arca de Noé, durou dez anos e saldou-se num filho, Guilherme, 13 anos. Mas lá iremos.
Instalado de pernas cruzadas em cima da cama king size do casal, o Zé Ninguém da Madison Avenue não se poupa na exposição pública para português ler. «Eu sou ‘a’ extravagância», diz. «Não sei ser happy-medium [meio-feliz], não sei ser morno. Morno é, aliás, uma palavra que não entra no meu vocabulário a mediocridade é ‘anti-José’. Sou uma pessoa de extremos. Sou de comunhão diária, por exemplo. E ainda este fim-de-semana [o último] vou fazer um retiro em Fátima.»
O quarto está montado no primeiro dos três andares da Casa das Escadinhas do Visconde de Ouguela, em Sintra, três chalets do século XVIII juntos, 14 salas e quartos apoiados pelo mordomo, Cacá, que ajuda a patroa a escolher as jóias, um motorista e dois empregados. Betty Grafstein, 69 anos já a 27 de Novembro, ouve pela enésima vez uma das histórias do marido e sorri. «Que posso fazer senão sorrir?», há-de confidenciar durante uma breve ausência dele. «Ele é assim.» E ela gosta.
… e ela gosta
Essa é a pedra de toque na relação que mais bocas abertas de espanto deixa nos compradores da imprensa cor-de-rosa: Betty Grafstein – «uma senhora», concordam na alta sociedade portuguesa – gosta de ser casada com o andrógino José Castelo Branco, um homem que recorre à base, ao blush e ao eyeliner antes de qualquer aparição pública.
Frente a frente no quarto de ambos, Betty e José parecem conhecer de cor os crimes de lesa-sociedade de que são acusados. E aos costumes respondem com mais uma provocação: «Somos muito felizes.» Mais tarde, definem-se numa palavra: ela diz que José é «único»; ele diz que Betty é uma «diva». Ou melhor, rectifica: «Somos duas divas juntas, mas eu sou mais froufrou. Sou um natural, como actor tenho é de ser pago por isso!»
Ter saúde e bons amigos são as duas principais razões que fazem Betty sorrir, embora o papel de José não seja secundário na sua felicidade. «É enorme!», diz. «José trata de tudo, até escolhe a minha roupa. E é um perfeccionista.»
Ele não resiste a tanto elogio. «Vou receber o meu Oscar!», goza, frase dita já de pé, de pose para uma audiência imaginária, os olhos à procura de mais um cigarro. Novamente sentado na cama, ainda atira, de dedos na cara: «Não sorrio mais para não mostrar as rugas!» Só depois justifica o segundo casamento: «A Betty é como um reflexo de mim, mas perfeito.» E é nisso mesmo que acredita a amiga Marianela Mirpuri, relações públicas da Air Luxor: «Oxalá casais ‘normais’ tivessem uma vida tão cúmplice como a deles!»
Donde veio ela
Betty admite que só compreende quem convive de perto. «Os outros», diz, «acham que há algo de estranho, têm má impressão de nós como casal, que começa logo pela nossa diferença de idades.»
Será isso mas não só. Castelo Branco é a pedra no sapato capaz de a fazer tropeçar em terrenos que fora de Portugal pisa com grande à-vontade. Lá fora, Betty dá-se com grandes nomes; cá dentro, recorre ao name dropping para vencer os anticorpos granjeados pelo marido.
Os dois conheceram-se numa vernissage, em Portugal, tinha Betty 60 anos e uma franjinha à Beatriz Costa. Havia herdado parte da fortuna do seu segundo marido e compensava a solidão comendo gelados atrás de gelados. O português convenceu-a a emagrecer (15 quilos!) e a fazer operações plásticas à cara e ao peito.
Nessa altura já Betty estava longe da miúda inglesa que trocara Dulwich, em Londres, por Nova Iorque. Filha única de um editor de revistas, tinha 17 anos quando se apaixonou por um italo-americano, com quem casou e de quem teve um filho, Roger Basil. Abandonada aos 19 anos, entrou para a Pepsi Cola como secretária, e aí se manteve até se casar com Albert Grafstein, um conhecido importador de diamantes, tinha ela 25 anos e ele 49. [Falecido há 12 anos, Albert deixou à frente da Grafstein Diamond Company o enteado, Roger, e um sobrinho.]
Nem pestaneja
Ela obedeceria sempre ao seu desejo de manter o low profile, apenas se evidenciando através das jóias que começou a desenhar. Num instante integrava as colecções da Bergford Goodman, Cartier, Tiffany’s, Gucci e Van Cleef & Arpels.
Um colar de pérolas foi a primeira jóia criada por si, e que ainda hoje deverá estar numa das muitas caixas de sapatos onde armazena as criações. Quem já esteve no seu apartamento nova-iorquino lembra-se de as ver divididas por feitios, pedras ou cores. «As caixas estão de tal maneira a abarrotar que, tira-se a tampa e, splash!, espalham- se as jóias!»
Betty terá mais de mil jóias e diz não entender as pessoas que as põem no banco. A descontracção é tal que já despejou quilos delas em cima da cama para um amigo poder tomar um «banho à Tio Patinhas».
A crise económica mundial ficou à porta mesmo depois do 11 de Setembro. «As pessoas», diz, «compram jóias nem que seja como investimento.» Até em Portugal, a estilista acaba por fazer negócio. Uma das primeiras clientes portuguesas foi Rosalina Machado, chairwoman da agência de publicidade Ogilvy & Mather, que já lhe comprou um colar, um alfinete e vários anéis e brincos. «As suas criações identificam- se muito comigo, pois são mais chiques do que exuberantes», justifica.
Castelo Branco ajuda no negócio, chegando a organizar chás com as jóias a fazerem as vezes dos tupperwares. E enquanto Betty torce o nariz às festas, ele olha-as como business sabe que as jóias têm de ser vistas para serem compradas. «Ela aprendeu com ele», goza um habituée. «Agora já diz os preços sem pestanejar. Se bem que não consiga pestanejar…»
É verdade que Betty mal consegue abrir os olhos. Pelo menos desde que conheceu José, tem-se submetido às mãos de cirurgiões plásticos com alguma regularidade e não é a única lá em casa. Castelo Branco jura não ter ido «à faca», mas ainda jura mais alto pelas propriedades do botox e do ácido hialurónico, injectados nas rugas de expressão. O passo seguinte poderá ser a colocação de fio russo. «Não quebra como o ouro!», já sabe.
E donde veio ele
Quem diria que este filho de uma família tradicional, com origens na Índia portuguesa havia de se tornar numa verdadeira «tia»… O apelido que hoje usa foi repescado à avó Cândida, casada com um Castelo Branco e tia do escritor Orlando da Costa (pai do ex-ministro da Justiça, António Costa). Os seus irmãos, Sérgio, hoje um destacado político em Moçambique, e Gaby, veterinária, assinam Vieira.
Era da tradição os irmãos Vieira virem para Portugal após a 4.ª classe. O mais velho passou pelas Caldinhas, em Santo Tirso, a rapariga pelas Doroteias, em Lisboa. José entrou aos 10 anos para o Valsassina, em Lisboa, só depois passando pelo Colégio Portugal e a Escola António Arroio. A ESBAL viria mais tarde, já depois de estar casado.
José tinha 16 anos no 25 de Abril, e enquanto o irmão mais velho se batia pela independência de Moçambique ele experimentava o mundo da moda e começava a evidenciar-se nas noites lisboetas. De dia, fazia passagens para a Maçã (antiga marca de Ana Salazar), de noite entrava na onda de loucura dessa época e era capaz de ir vestido de mulher para o Trump’s, onde o conheciam como Tatiana Romanov.
«Arranjava-se de uma forma andrógina, na linha do Boy George», recorda Carlos Castro, cronista social. «Fazia furor por causa da sua figura lindíssima.»
Mas esse é um capítulo encerrado, garante hoje Castelo Branco. «Não nego nada porque não há nada a esconder», diz. «Foi uma ‘onda’ que passou, e sobre a qual já falei com o meu filho, embora não tenha entrado em detalhes.»
José sempre quis que o filho se orgulhasse dele, lembra a socialite Lili Caneças, que o ajudou a lançar-se como marchand de arte em Portugal. «Ele tinha uma galeria, a Escada Quatro, em Cascais, que transformámos na galeria com mais gente famosa por metro quadrado», conta Lili.
Depois, a galeria fechou e Castelo Branco já tem menos encantos para a loura de Cascais: «É uma pena que os seus valores espirituais tenham sido substituídos por outros mais fúteis. Esse seu percurso de vestir Alta Costura já eu fiz aos 20 anos!» Como marchand, Castelo Branco continua, porém, muito activo, confirma Júlio Quaresma, crítico de Arte. «Pode não criar um nome, mas tem uma grande capacidade em termos comerciais.»
Quando eles dão festas
Seja qual for a ocasião, Betty mantém a pose very british mesmo quando o marido fala alto ou gesticula com ar afectado. Das calças às flores é que não guarda boas recordações. Ela tem umas iguais comprou-as na secção para Senhora da Gucci dias antes de ele ver um par idêntico na secção para Homem. «Achámos que teria piada usá-las em nossa casa, para divertir os convidados», conta.
Não foi difícil, no entanto, Abel Dias, amigo do casal e jornalista da Caras, convencê-los a vesti-las numa festa organizada pela revista. Mas foi um erro, lamentou Betty mal se apercebeu da sensação que causaram no Hotel da Quinta do Lago, no Algarve. «Até deu pena», comenta um dos convidados dessa noite. «Os dois acabaram na mesa da imprensa. Ninguém quis jantar com eles, nem mesmo os que costumam ir às suas festas.»
É verdade que as suas festas, sempre no Verão e no Natal, são badaladas. A última foi em Agosto, teve decoração de Pedro Ramos e Ramos, jantar para cem pessoas, confeccionado por Danny Dagher, cozinheiro-chefe do Hotel Sheraton, e fados cantados por Alexandra e Paula Varela Cid. Pela decoração pagaram o equivalente a 600 contos; o preço do serviço de catering é um segredo bem guardado.
Alguns dos que se deliciaram em Sintra tinham-lhes virado a cara no Algarve. «Somos sempre motivo de conversa…», lamenta Betty. Uma ronda de perguntas pelos amigos ou conhecidos que aparecem habitualmente ao seu lado nas festas salda-se por muitos off the record e quase nenhuns on. Houve até quem nem sequer quisesse ver o nome num artigo «sobre essa gente».
Betty diz-se inocente dessa imagem negativa, como se não tivesse noção do que é exibir na Caras a sua colecção de sapa- tos, as toilettes de Alta Costura compradas este Verão e um ramalhete de empregados fardados a servir o chá ao casal.
‘Big Brother’ é que não
Os empregados são, ironicamente, os grandes responsáveis pelos tratos de polé que a casa de Sintra sofreu no ano passado. «Eles ficam tão deprimidos durante os longos meses que passamos em Nova Iorque que decidimos arrendar parte da casa, para se manterem ocupados», conta Betty.
Nem ela nem o marido tiveram discernimento suficiente para prever o resultado das gravações do programa de televisão Mulheres de A a Zé, produzido por Teresa Guilherme. Ninguém entrou nos andares superiores, onde as paredes estão cobertas de quadros, a maioria deixados à consignação pelos artistas, como se fosse uma galeria. Mas no rés-do-chão, os estragos foram tantos que o casal ainda reclama o equivalente a mais de 2 mil contos de prejuízos.
Não é, porém, essa a razão que os levaria a recusar um eventual lugar no Big Brother dos Famosos, programa apresentado por Teresa Guilherme, na TVI. «Nunca» o fariam, ponto. E mais não dizem, não vá Cinha Jardim acabar por ler a VISÃO e faltar à Festa de Outono que darão no final de Outubro.
Desta vez, o pretexto são os 50 anos de um amigo do casal, dono do nova-iorquino Regency Hotel. Um grande momento só ultrapassado, em Novembro, pelo jantar anual da Royal Order of Francis I, a que pertence Betty.
Para a viagem levarão, com certeza, as habituais sete malas, sete, algumas tipo baú para os vestidos não se amarrotarem, mas todas Louis Vuitton, claro.
Lá em casa, até o gato, baptizado por engano com o nome feminino Fifi, usa um acessório de marca – uma coleira de cabedal castanho com as iniciais LV gravadas. Castelo Branco goza: «Já viu? Um gato de rua de Louis Vuitton!» Fifi é o «fruto da caridadezinha » do casal, que o recolheu sem saber tratar-se de um Bosques da Noruega. «Ele é um querido. E, com esta cor, parece uma borla de pó de arroz, não acha?»
Foi há um ano que Betty recebeu, na Catedral de Westminster, em Londres, a grande cruz da Ordem de Francis I. Agora não venham as más-línguas insinuar que o título foi comprado, please.